Um ano já! Passa rápido, como dizem. Esse poema o iniciei em uma ida ao Sul da Bahia. Os versos iniciais eu os escrevi quando me despedia do mar, como bom mineiro bobo. Voltei rápido à casa onde estávamos porque não queria perder os versos. Os repetia pelo caminho: “Faço um poema pra me despedir do mar. / O mar não entende pedidos nem o aço das pedras.” Esse diálogo com o mar me deu essa homenagem à D. Eloiza que morreu sem dominar de todo as letras. Saudade da porra!

Faço um poema pra me despedir do mar.
O mar não entende pedidos nem o aço das pedras.
Sente que sou da montanha e que ainda estou
Às margens do rio Arrudas,
lugar onde nasci e hoje infância.
Vila Esplanada:
Presídio de mulheres, enchentes constantes.
Minha mãe me tirou de lá com suas mãos grandes,
De calos e reentrâncias.
Contra minhas mãos pequenas e lisas de professor.
Cumpriu à risca o fardo de fêmea:
Pariu meu irmão e eu.
Mas não rompeu a lógica das estatísticas.
Saiu de São João de Manteninha aos dezoito sem letra,
Com suposta data de nascimento na cabeça.
Desceu na Rodoviária Governador Israel Pinheiro,
Praça Rio Branco sem número.

E ainda, sob efeito do êxtase da cidade de Belo Horizonte,
Descarregou as malas, tirou certificado, identidade,
Carteira de trabalho e completou seu êxodo.
Esboçou seu primeiro sorriso diante do êxito de cruzar destino
Quase ilesa, com calos e reentrâncias nas mãos.
O médico diagnosticou alergia aos produtos de limpeza,
Leve tristeza e hipertensão.
Vila Esplanada:
Presídio de mulheres, enchentes constantes.
Minha mãe me tirou de lá antes da verticalização das favelas.
Ela segue sem religião mas,
Com uma fé abrupta,
Ora ao Senhor.
Não sei se com fervor ou um ódio apaziguado
Pelo excesso de amor.
Não sei se com alegria ou consternada
Pelos dias em que foi maltratada lavando chão.
Já frequentou a Igreja Universal do Reino de Deus,
O Vale do Amanhecer,
As Católicas
E Seicho-No-Ie.
Descobriu que deus não mora numa sacada,
Não gira em torno de uma órbita.
E que, vez ou outra, Ele irrealiza os nossos desejos.